A loucura enlouquece
O quarto escuro é a proteção que garante que a luminosidade do mundo exterior não vai me machucar. Não sou um vampiro, nem um morto vivo, mas só de pensar em ter contato com essas pessoas nojentas já sinto o meu almoço subindo e fazendo um gosto desagradável ficar impregnado no início da minha garganta. O único brilho que consigo perceber vem da mesinha que se encontra ao meu lado.
O que me assusta é querer fazer isso, sem ter nenhum problema nem preocupação com o que pode mudar para as pessoas ao meu redor. Minha mão direita às vezes hesita e briga com a esquerda, quase que como tivesse vida própria, para lutar pela sobrevivência do meu corpo, pois minha alma já morreu.
A secretária eletrônica apita novamente depois de vários toques de um telefone que há tempos já não é mais atendido. A tela digital marca 35 mensagens, de pessoas que dizem se importar comigo, mas eu não me importo, eu não quero saber deles. Quero só tomar coragem pra fazer o que é inevitável, afinal, minha vida já acabou mesmo!
Algo me toca. Ouço uma voz aguda e suave que me livra da psicose: “Papai, eu estou com saudades de você. Te amo muito!”.
Amar. Há quanto tempo não ouço essa palavra? Uma lágrima escorre pelo meu rosto e apenas se junta às gotas de suor. Balanço a cabeça e me recomponho, volto para meu pensamento principal “Devem ter mandado ela dizer isso. Ninguém me ama, ninguém quer me amar”. O demônio dentro de mim vence novamente e consegue fazer com que eu volte o olhar para o objeto prateado e brilhoso.
Eu dou um sorriso e mesmo sem poder vê-lo me assusto. No que me tornei? Nem me lembro o porquê de estar sentado aqui, o porquê de odiar tanto as pessoas. Mesmo assim minha mão segue em direção ao revólver, agora sem hesitar e o joga longe do meu alcance.
Sou um covarde. Nem me matar eu consigo. Fico tonto, dou uma piscada demorada e o ambiente muda. Estou em um quarto sem janelas, sentado numa cama com lençóis brancos. O que arremessei não foi um revólver e sim um prato plástico com uma maçã cortada em cubos.
A porta se abre pelo lado de fora, pois o de dentro não tem maçaneta. Dois homens entram e sem nem ao menos perguntar como estou, enfiam uma agulha no meu braço, que instantaneamente me deixa mole e me faz cair desmaiado.
Quando acordo, estou sentado novamente naquela cadeira, no quarto escuro. Eu não quero que isso aconteça novamente, não quero mais esquecer o motivo do meu anseio pela morte. Ninguém mais vai me dar injeções nem me trancar como se fosse um animal. Desta vez eu tomo coragem. Desta vez não vou ter medo de puxar o gatilho…
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