Trecho de uma palestra para Embedded Systems, 2001

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Biscoitos

Isso realmente aconteceu com uma pessoa de verdade, e no caso esta pessoa era eu. Eu tinha ido pegar o trem. Era abril de 1976, em Cambridge, no Reino Unido. Eu estava adiantado para a saída do trem. Tinha anotado o horário de saída errado. Fui comprar um jornal para fazer as palavras cruzadas, uma xícara de café e um pacote de biscoitos. Fui e me sentei à mesa. Quero que você imagine a cena. É extremamente importante que você entenda muito bem a situação. Aqui está a mesa, o jornal, a xícara de café, o pacote de biscoitos. Há um rapaz sentado do outro lado da mesa à minha frente, um rapaz de aparência bem comum, vestindo um terno, carregando uma maleta. Não parecia que ele ia fazer alguma coisa estranha. Eis o que ele fez: de repente ele se curvou para frente, pegou o pacote de biscoitos, abriu a embalagem, pegou um, e comeu.

Eis agora, preciso dizer, o tipo de coisa com a qual os britânicos têm muita dificuldade de lidar. Não existe nada em nosso histórico, criação, educação, que nos ensine como lidar com alguém que, em plena luz do dia, acabou de roubar seus biscoitos. Sabe o que aconteceria se fosse no Centro-Sul de Los Angeles? Haveria, muito rapidamente, tiroteio, helicópteros surgindo, a CNN, sabe como é… Mas no final eu fiz o que qualquer típico britânico faria: ignorei o fato. Então dei uma olhada no jornal, tomei uns goles de café, tentei resolver umas cruzadinhas no jornal, sem sucesso, e então pensei: O que vou fazer?

Por fim, pensei: Nada, terei que aceitar a situação, e me esforcei para não notar o fato de que o pacote estava, misteriosamente, aberto. Peguei um biscoito para mim. Pensei, Isso vai intimidá-lo. Mas não. Um segundo ou dois depois ele fez de novo. Pegou outro biscoito. Não ter comentado nada na primeira vez fez com que tocar no assunto agora fosse ainda mais difícil. Com licença, mas não pude deixar de notar que… Tipo, não dá.

Acabamos com o pacote assim. Quando digo todo o pacote, quero dizer que havia apenas uns oito biscoitos, mas que pareceram uma vida toda. Ele pegava um, eu pegava outro, ele mais um, eu outro. Finalmente, quando terminamos, ele se levantou e foi embora. Bem, trocamos olhares significativos, então ele foi embora, e eu respirei aliviado e me recostei.

Pouco depois o trem estava chegando, então engoli o resto do café, me levantei, recolhi o jornal, e embaixo do jornal estavam os biscoitos. O que mais gosto nessa história é a sensação de que em algum lugar da Inglaterra, há um rapaz comum que, pelos últimos vinte anos, tem andado por aí com exatamente a mesma história, só que ele não tem o remate.

Written By

Carlos Eduardo

Meu nome é Carlos Eduardo e já completei 37 primaveras. Meu sonho é ter um robô de estimação e viajar o mundo em um balão.